Eu sempre ouvi, de pessoas mais velhas, histórias sobre as TVs "cifradas" usadas nas décadas de 60 e inicio dos 70 para captar o sinal da TV Tupi de São Paulo, mas nunca tinha visto algo que comprovasse os causos. Neste feriado acabei encontrando uma matéria sobre o assunto na "Revista Monitor de Rádio e Televisão" número 182 (Maio de 1963):
Mas o que seria isso de "cifrar" a televisão? Nada mais do que deslocar a frequência de um canal de televisão para que este fique em uma frequência fora da faixa normal. Isso era feito para que apenas televisores modificados captassem o sinal retransmitido. E para esta modificação apenas os técnicos que montavam as retransmissoras sabiam qual a frequência correta e conseguiam fazer as modificações necessárias nos aparelhos. E, claro, cobravam por isso.
A matéria da revista cita a ilegalidade da coisa, mas descreve o método empregado pelos "técnicos-em-cifras" para modificar as TVs. Normalmente se colocava a retransmissora na faixa de 100MHz a 140MHz e para "cifrar" a TV as bobinas do canal 6 do sintonizador de canais tinham que perder uma espira e ganhar um novo retoque (a famosa "palitada") no núcleo de ferrite. Como o ajuste era relativamente simples e não levava muito tempo o lucro era bem alto. Outro método seria usar um conversor (ou "decifrador"), neste caso dois esquemas são fornecidos na matéria.
Ainda na revista são citadas as cidades de Maria da Fé, Pinhal, Sorocaba e Brasópolis como tendo retransmissoras "cifradas". Também foi reproduzido um anuncio da Associação Comercial e Industrial de Ribeirão Preto onde é dito claramente que somente receptores modificados (para uma "ciclagem diferente") receberiam o sinal:
Mas então, sabendo agora que realmente os causos que eu ouvi estes anos todos eram verdadeiros fui pesquisar mais um pouco perguntando para alguns colegas mais velhos e pesquisando na web sobre os primórdios da televisão aqui no Sul de Minas.
Algo que até uns 20 anos atrás chamava a atenção aqui em Santa Rita eram as torres de antenas de TVs que existiam nas casas. Algumas ainda podem ser vistas, mas já deterioradas e sem as antenas. Lembranças da época em que o pessoal tentava captar a TV Tupi da retransmissora de Brasópolis. Esta retransmissora era mantida por um técnico autodidata conhecido por Nenzito Faria. Segundo me contaram o retransmissor foi construído por ele e tinha algumas soluções interessantes.
Primeiro, por não saber como transmitir o áudio e o vídeo ao mesmo tempo numa mesma antena, Nenzito separou os dois sinais e usava dois transmissores e duas antenas. O transmissor de áudio entregava 10W na saída e o de vídeo era de 100W (com uma válvula QB4/1100GA na saída). Os transmissores eram espaçados em 4,5MHz. A recepção era feita numa TV comum de onde se extraia o áudio e o vídeo que eram injetados nos transmissores. O local escolhido para colocar a estação foi o Pico dos Dias (onde fica o Observatório do Laboratório Nacional de Astrofísica).
Com esta configuração a retransmissora operou da metade da década de 50 até inicio da década de 70 e era captada em toda a região. Nenzito e alguns colegas acabaram criando a Assumitel (ou Assuntel?) para cuidar dos negócios de retransmissão e "cifragem" de TVs das outras cidades. Encontrei uma foto no blog "Memórias de Varginha" que mostra Nenzito e seus colegas junto a estação no alto do Pico dos Dias em 1958:
A seta mostra o Nenzito |
Com o tempo alguns técnicos aqui da cidade (incluindo o avô de um colega meu) descobriram como "decifrar" as TVs e passaram a oferecer o serviço por aqui também. Antes só dava pra fazer lá em Brasopólis, o que significava colocar o aparelho na carroça ou carro (quem tinha) e subir a serra na estrada de terra.
Com a chegada das retransmissoras oficiais na década de 70 a brincadeira acabou. Abaixo uma foto da retransmissora com novas torres em 1969:
P.S.: Fica aqui meus agradecimentos ao Nilson Ribeiro do blog Memórias de Varginha de onde eu peguei (sem pedir) as fotos da retransmissora.
P.S.2: Os detalhes do retransmissor do Nenzito eu ouvi de um colega que entende (e muito) do assunto. Caso alguém que caiu aqui no blog saiba de mais alguma coisa (uma foto do transmissor seria ótimo) por favor comente aí.
Eu nao acredito que achei essa matéria foi pura sorte bater de frente num tema que estava procurando logo de cara.
ResponderExcluirFantastico essa matéria merece aplausos. A solução de transmitir dois sinais, video e áudio, e unilos em uma outra transmissão foi fantástico.
Acho que nem no museu da TV aborda esse assunto e que deveria. Guarde bem essas fotos antigas que magnífico.
A pesquisa que estou fazendo é sobre "Hackeando na era Analógica"
E falam que Hackear é coisa moderna só de computadores- complemento na linguagem atual ""SABE NADA INOCENTE""
Grande abraço
Ganhei o dia